Paternidade, infância e confinamento.

Ao menos era outono e, não só pela temperatura amena, a minha estação favorita. Do alto do prédio pelas copas das árvores vimos vagarosamente os dias passarem: “eu sei, a gente se acostuma, mas não devia. a gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor…”. escreveu Marina Colasanti em seu severo e lindo poema sobre o cotidiano. Mas mesmo com o desfavor que um prédio virado aos fundos possa nos prestar, a luz que entrava por aquelas janelas era singular aos outros dias do ano e que já naquela época durava alguns minutinhos a mais pela manhã. E aquele facho de vitamina D trazia um nutriente poético e melancólico ao olhar, nesse que foi nosso campo de concentração e laboratório familiar pelo inverno mais rigoroso de todos os outonos de nossas vidas. E a gente se acostumou. Precisávamos.

Pai aos 40, recém-experimentado o melhor e o pior sobre criar um filho em meio à rotina de trabalho, a demandas domésticas e à vida urbana, não esperava ver o pequeno alicerce de liberdade que depois de 1 ano e 10 meses pós-parto, fora construído com muito esforço, ruir em alguns dias. Ninguém esperava. Certamente perdas e dificuldades muito maiores que as nossas foram vivenciadas e sinto muito pelo desastre avassalador que assombrou a vida de muita gente, em especial no nosso país. Infelizmente e ao mesmo tempo felizmente foi com esse sentimento de frustração, tensão e dor que construímos essa realidade momentânea. Um retiro sabático - que nesse caso não era nada parecido com sábado - afastado de tudo que não estivesse ligado ao monotema filho, foi Ao fórceps implementado e poucas coisas nos restavam nas mãos: além delas próprias, a câmera de um celular. Que a essa altura já não trazia mais boas novas e a cada manchete que brotava roubava um pouco da nossa paz. Um sentimento confuso se estabeleceu e então nunca nas nossas vidas a arte e as líricas de chico buarque fizeram tanto sentido como naquele momento. Fotografia e música debaixo do nosso teto se abraçaram fortemente e se arrastaram lado a lado, resistindo, alegrando e distraindo, até que mais uma vez nós nos acostumássemos.

As descobertas e As explorações de uma criança ajudavam a amadureCER o filho e, através do entrelaçado de brinquedos, livros e uma grande desoRdem, renascia o pai.